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1700

1700 - Do Lugar Sapopemba à Fazenda dos Afonsos: palco de pressões, conflitos sociais e de mobilização em favor da vida

Nesse tempo, o lugar Sapopemba fazia parte da Freguesia de Irajá, o centro da produção canavieira do Recôncavo da Guanabara, o corpo da região colonial daqueles tempos.  
O Rio de Janeiro tinha 134 anos quando, em 3 de abril de 1699, a carioca de Sapopemba Inês de Paredes (afrodescendente) casou-se na Igreja da Candelária com o senhor de engenho João Afonso de Oliveira, cristão-velho de Santa Catarina do Monte Sinai (hoje Freguesia da Misericórdia, Lisboa), filho do capitão Antônio Afonso Leitão com Antônia de Oliveira.
Casados em comunhão de bens, é bem provável que o dote de Inês (herdeira de Luís de Paredes) passou a ser do casal. Nos anos de 1700, Inês e João tiveram cinco filhos: Guiomar, Maria, Antônio, Luiz e Joana. Daí provavelmente nasceu o nome Fazenda dos Afonsos

Trecho do processo de Inês sobre a sua genealogia, em outubro de 1715.
Judeus cariocas, cristãos-novos, negros, ricos e perseguidos. O lugar foi palco dos ataques da Inquisição e também da mobilização dos seus moradores
Era um tempo tenebroso. A história da família dos Afonsos, como de tantas outras famílias de cristãos-novos (judeus convertidos) da época, foi marcada por lutas e superações.
Os antigos moradores não tinham liberdade de expressão, criação e de fruição cultural. Quem tinha escolha contrária da Igreja Católica  corria risco de ser investigado, ser preso e até morto. Nem a conversão ao catolicismo garantiu direitos iguais.
O senhor de engenho João Afonso era muito estimado e colecionava amizades. Mas isso não conteve a sanha do Tribunal da Inquisição que esmagava os cristãos-novos.
Na Estrada Real, trafegaram tropeiros, comerciantes, donos de engenhos e das plantações. Também trafegou a milícia da inquisição para pegar os moradores acusados de judaísmo e levá-los para serem investigados e torturados em Portugal.
Em 7/11/1715, então com 40 anos, Inês foi presa e levada para Portugal, deixando para trás seus filhos menores: Guiomar com 14 anos, Maria tinha sete anos, Antônio Afonso seis anos, Luiz quatro anos e Joana tinha três anos de idade. Em abril de 1716, a sua filha Guiomar também foi presa ainda que menor de idade. Outros membros da família também foram presos.

No Tribunal da Inquisição de Lisboa, Inês confessou que tinha casas grandes de sobrado no engenho de Sapopemba; mais ou menos 40 escravos, entre homens e mulheres; mais uma escrava mulata, chamada Assunção (quase cega), uma "mulatinha" chamada Bárbara de onze anos e um "pretinho" Paschoal de quatro anos. Além disso, o pai de Inês, já morto, deixou cerca de 84 escravos. 
Ana de Paredes, irmã de Inês, no seu inventário declarou que tinha um partido de cana no engenho de seu cunhado João Afonso de Oliveira, com casas térreas de palha; seis escravos (Maria, Maria, Antônio, Vicente, Agostinho e Isaurinha); uma casa térrea na cidade, Rua do Cano (hoje Rua 7 de Setembro), que valia 100 mil réis; e outros bens de menor valor.
Além de servir de abrigo e refúgio para vivência clandestina da fé, as casas eram usadas para reuniões secretas pelos moradores para se defenderem dos ataques inquisidores, manter a vida, o modo de viver, conviver e reconstituírem suas famílias.


Antes de receberem suas sentenças, segundo historiadores, a agonia dos prisioneiros poderia ser comparada ao "inferno na Terra", visto que eram submetidos a uma variedade de castigos em um espaço sem luz, e, na maioria das vezes, sem higiene.
Inês teve bens confiscados, condenada à cárcere, uso hábito penitencial e penitências espirituais. Recebeu licença para vir ao Rio de Janeiro em 09/01/1717. Morreu em 1722, então com 47 anos.

O fator Deus. Faltou humanidade por parte da Inquisição para com os antigos moradores. A Igreja deixou de usar o poder e privilégio ao lado do respeito, solidariedade, compaixão e cooperação. O quanto durou, a Inquisição espoliou mais os antigos moradores do que os tinha governado, criando desunião ao invés de união, matou ao invés de cuidar da vida, desrespeitou ao invés de respeitar a vida alheia, não assumiu a corresponsabilidade em favor da vida dos cidadãos e não cooperou com a comunidade de cristãos-novos para alcançar os objetivos comuns a partir da inteligência coletiva.
Jose Saramago chamou de “O fator Deus” este ódio, essa intolerância e desrespeito pela vida.

Casamento e mais filhos
Depois de dois anos da morte de sua esposa Inês, João Afonso casou-se com Antônia Coelho de Assunção, que foi morar na fazenda, e juntos tiveram oito filhos.
Em sua capela, Afonso realizou muitos casamentos e batizados. Ele foi padrinho de casamento da cunhada Feliciana Barreta de Sene (21 anos) com Antônio Fernandes Valqueire, que tinha só 15 anos. 
Antônio mais tarde tornou-se senhor de engenho de Valqueire. Daí provavelmente a origem do nome do bairro vizinho. João Afonso morreu em janeiro de 1745.
Trecho do mapa de Manoel Vieira Leão elaborado em 1767 mostra engenhos existentes no Rio Colonial. Na região onde é o bairro Jardim Sulacap, indica a existência do engenho dos Afonsos, próximo ao Rio Sapopemba (hoje Rio dos Afonsos). Fonte: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart512339/cart512339.htm

Durabilidade do nome
Depois, a Fazenda dos Afonsos (toda ou parte dela) teve vários donos, como: Anna Maria de Jesus (viúva do Capitão João Pereira de Lemos), Antônio de Oliveira Durão (capitão, deputado e negociante de varejo e de escravos), João Marcos Vieira (capitão-mor), Izidoro Rodrigues (cirurgião), Carlos José A. Magalhães (coronel e vereador), The Brazil Syndicate, Raul de Miranda Santos.
A Fazenda teve vários donos, mas o nome "Afonsos", fruto da aliança entre Inês de Paredes e João Afonso, permanece vivo até hoje: Rio dos Afonsos, Morros dos Afonsos, Campo dos Afonsos, Invernada dos Afonsos, Praça Fazenda dos Afonsos. Até às vésperas da urbanização, o lugar era conhecido como Fazenda dos Afonsos ou simplesmente Afonsos.

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